CARTA ABERTA CONTRA TUDO AQUILO QUE REPRESENTA UM GOLPE A DEMOCRACIA
Para: PSICANALISTAS E PSICÓLOGOS
A psicanálise nasce dando voz às mulheres, e passado mais de cem anos é este o seu papel na vida pública: dar voz aos marginalizados da subjetividade: as mulheres, os homossexuais, os negros, os drogados, os panicados e a todos aqueles ignorados pelos instrumentos de poder de uma sociedade falocrática e de dominação masculina.
A psicanálise vai à via oposta à da rigidez moral, oposta à do narcisismo e da exaltação do ego e por isso mesmo acredita que uma boa experiência de análise pode transformar um machista, racista, homofóbico e misógino em uma pessoa diferente, e não por doutrinação do analista.
A psicanalise não se coloca neste lugar de doutrinador e nem apoia quem se coloca neste lugar, conforme Totem e Tabu (FREUD, 1913/2006), onde Freud está dissertando acerca da morte do pai e da construção ética de uma modalidade de sociedade pautada pela junção de forças dos irmãos. Portanto, a psicanalise se pontua contra todo aquele que se coloca como um soberano uno em detrimento da democracia.
A psicanálise compreende a sexualidade humana como algo que não é da ordem de um instinto nem de uma essência: não nascemos, mas nos tornamos homens e mulheres. Portanto, mitos e tabus sobre a sexualidade são fatores de exclusão da diversidade psicossexual e fazem perdurar, dentre outros, toda forma de desrespeito para com a dignidade do sujeito.
A psicanalise não é nem burguesa (direita) e nem proletária (esquerda), mas defende a liberdade de cada individuo e suas escolhas pessoais no tocante ao direito da opinião, ideologia e religião e promove a tolerância e o respeito às diferenças porque é a mesma uma Teoria do Sujeito e em hipótese alguma pode abrir mão dessas prerrogativas tão caras à humanidade.
Numa carta, Freud afirmou: “Aventuro-me, sob o impacto da guerra, a lembrar-lhe duas teses formuladas pela psicanálise e que, sem dúvida, contribuíram para sua impopularidade: os impulsos de agressividade e ódio da humanidade não desapareceram em qualquer de seus membros individuais, persiste recalcados no inconsciente à espera de oportunidade para se tornarem ativos; nossa racionalidade é débil e dependente de forças afetivas que ignora e todos nós somos compelidos a nos comportar de forma inteligente ou estúpida, de acordo com os imperativos emocionais recalcados. Se observamos o que esta acontecendo na presente guerra – as crueldades e injustiças – terá de admitir que a psicanálise esta correta em ambas”.
Portanto, é com o risco de vermos uma percepção muito relativizada da importância da democracia como algo essencial de uma civilização e a sombra de um risco grave de interrupção por várias formas do regime democrático que vimos a público demonstrar nosso repúdio e nossa indignação para que esses valores conquistados não sem grande esforço, com sangue e luta, possa, não sejam retirados de nós e assim, mais uma vez, nos levar a um tempo sombrio onde ainda colhemos dor e vergonha.
