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Abaixo-assinado EM DEFESA DO SÃO PEDRO CIDADÃO

Para: Governador do Estado do Rio Grande do Sul


EM DEFESA DO SÃO PEDRO CIDADÃO

A desinstitucionalização da loucura no Brasil tem sido a pauta de desafios da saúde mental coletiva e do movimento social por saúde mental nas últimas décadas. Em 1987, a reforma psiquiátrica no Brasil passou por eventos cruciais que definiram seus rumos e ensejaram futuros avanços: a I Conferência Nacional de Saúde Mental (que representou o fim da tentativa de transformar apenas o sistema de serviços de saúde, iniciando uma trajetória de desconstrução – no cotidiano das instituições e da sociedade – das formas manicomiais de interpretar e lidar com a loucura) e o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental (que desafiou o estatuto da crítica ao da construção de modelos de atenção inovadores e responsáveis). Estas ações influenciaram, inclusive, a construção do texto da Constituição brasileira de 1988, a Constituição Cidadã, que afirmou que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Uma saúde que deve ser pensada como um processo subjetivo que envolve aspectos sociais e individuais, psíquicos e biológicos, culturais e recriativos, pensando o ser humano como inserido em uma dada cultura e agente de enunciações. O direito de todos à saúde é também o direito à saúde mental da qual não temos notícia a menos que os serviços de saúde lhe dêem guarida, margem de acolhimento. O dever do Estado está em ensejar e assegurar essas condições. A saúde mental é também direito de todos e dever do Estado, assegurar este direito é apostar na vida, nos direitos humanos e na integralidade da atenção para todo o cidadão brasileiro.

Apesar dos avanços conquistados na atenção e gestão em saúde mental, ainda resta muito por fazer no que tange aos projetos de desinstitucionalização dos portadores de sofrimento psíquico grave, com oferta de acolhimento. O Estado do Rio Grande do Sul foi pioneiro na aprovação de uma lei da reforma psiquiátrica (lei 9716/92), fruto de uma luta internacional, fortemente representada pelos movimentos sociais e encabeçada pelo legislativo gaúcho, em especial pelo atual vice-governador do Estado, representante da medicina gaúcha e ouvinte das necessidades de acolhimento em saúde ao sofrimento psíquico e transtornos mentais. O Rio Grande do Sul deu início à implementação de uma rede substitutiva aos manicômios, seguindo as premissas internacionais e nacionais, recriando seu modelo original de Centros de Atenção Integral à Saúde (CAIS), iniciados em 1987, no governo Pedro Simon, e assumindo um projeto de grande envergadura, simbolizado pela ação social São Pedro Cidadão, que teve execução apenas no governo Olívio Dutra. A rede substitutiva aos manicômios e a transformação do Hospital Psiquiátrico São Pedro tomaram corpo e fôlego identificados com a política nacional de saúde mental mediante a abertura dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), priorizando ações desinstitucionalizadoras, investindo na educação permanente em saúde mental coletiva e criando uma rede de laços do setor da saúde com outros dispositivos da cultura e cidadania nos meios urbano e rural. Somente em 2001 o país aprovou uma lei da reforma psiquiátrica semelhante àquela já aprovada no Rio Grande do Sul, a lei federal nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Durante o governo Olívio Dutra, tornou-se possível colocar em marcha a ação social São Pedro Cidadão, projeto desenhado pela soberania do povo gaúcho, que lutava por uma sociedade sem manicômios, projeto concebido e aprovado em 1993 pelo Conselho Estadual de Saúde e as diversas entidades representativas da sociedade nas lutas por saúde mental. Tal projeto visa à “desconstrução” (desfazimento de um modelo ao mesmo tempo em que se permite a emergência de outro, mais contemporâneo e consentâneo às reais necessidades) do Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP, integrando as áreas de saúde, educação, habitação, trabalho, justiça, cultura, ambiente, obras e planejamento, tanto instâncias governamentais como não-governamentais, incluindo o controle social, para sua elevação a uma resposta mais responsável com lutas sociais por saúde mental. O Projeto contempla para os usuários que ainda moram no Hospital Psiquiátrico a possibilidade de construção de novas oportunidades de vida, trabalho, saúde e inserção social. Este processo conduziu à organização de novos espaços de moradia, tais como: casa de passagem, apartamento de transição, adaptação dos pavilhões em serviços com diferentes modalidades de assistência de acordo com as especificidades da população (moradias para idosos, portadores de deficiências múltiplas, criação de apartamentos com espaços individualizados) e a construção de Serviços Residenciais Terapêuticos, conforme previsto nas Portarias Ministeriais nº 106 e 1220 do ano de 2000. Estes objetivos em especial propiciaram a criação de 36 Serviços Residenciais Terapêuticos na Vila São Pedro em Porto Alegre, denominando o Projeto Morada São Pedro, e a criação de 5 Serviços Residenciais Terapêutico na cidade de Viamão, denominando o Projeto Morada Viamão.

Essa experiência, pautada num cuidado em liberdade, além de possibilitar efetivamente a inclusão social de sujeitos institucionalizados e constituir estratégico recurso de atenção psicossocial, é referência no Brasil e na América Latina por estar entre as primeiras realizadas no contexto da Reforma Psiquiátrica. Este gesto marca a relevância que a gestão estadual – em um projeto de governo – deu a uma decisão já tomada e aprovada pelo Conselho Estadual de Saúde, instância máxima do controle social e de participação da população na tomada de decisões em saúde no Estado, retomando-o como política central de governo, permitindo o desencadeamento de diferentes ações desinstitucionalizadoras. O trabalho foi centrado na reabilitação psicossocial e no horizonte de possibilidades da estruturação de uma nova forma de inclusão social das pessoas que por tantos anos viveram (e foram submetidas) o mais completo abandono, atrás das grossas paredes manicomiais. Serviços residenciais terapêuticos foram criados, os trabalhadores do hospital tiveram acesso à educação permanente e, principalmente, os antigos moradores da “casa dos loucos” puderam vislumbrar a construção de uma vida cotidiana na condição de cidadão de direitos.

Contudo, nosso Estado assistiu nos últimos oito anos a um abandono das instâncias públicas de responsabilização pela expansão das redes de acolhimento em saúde mental e montagem de redes substitutivas aos manicômios, fazendo emergir uma demanda pela manutenção das velhas alternativas de segregação. Nesse tempo, as ações do governo federal foram as que garantiram a manutenção e desenvolvimento da desinstitucionalização no Estado, principalmente no que se refere à criação de novos Centros de Atenção Psicossocial, de Residenciais Terapêuticos, de execução do Programa de Volta para Casa e as Residências Integradas Multiprofissionais em Saúde Mental. Ações estas que se apóiam no princípio de que é inadmissível, em pleno século XXI, em um país de pungente democracia como o Brasil, de liberdade e pluralidade conhecidas e reconhecidas internacionalmente, que ainda existam pessoas condenadas à exclusão pela condição de sofrimento psíquico. Boa parte dessas pessoas, pelo tempo de uma vida, foram apartadas do convívio social, atrás dos grossos muros de instituições que sabidamente mais agravam e cronificavam seu sofrimento. Pessoas cuja própria experiência do sofrimento lhes foi ou é negada, colonizada que está pelos mesmos muros que supostamente a protegeriam.

Observa-se o avanço na implantação da Reforma Psiquiátrica em todo o Brasil, que pode, hoje, contar com importantes experiências municipais de desconstrução de hospitais psiquiátricos, mas o Rio Grande do Sul, que já foi referência em políticas antimanicomiais, retrocedeu ao obscurantismo da manutenção da mais historicamente fracassada forma de tratamento da loucura. Não tem qualquer eficácia trocar a alcunha de hospício ou manicômio para hospital psiquiátrico aos mesmos equipamentos que cumprem o mesmo desígnio conceitual no campo das práticas (a segregação, a exclusão ou a terapêutica separada da vida em coletivos sociais de subjetivação, acolhimento e reinvenção). Não basta “deixar levar” ante a dificuldade de lidar com uma população cronificada e maltratada pela radical exclusão. O respeito e dignidade demonstrados pelo setor da saúde são parte importante do acolhimento cuidador e motor para a instauração de um sistema de saúde com potência de atenção integral. Em hipótese alguma será legítima a perpetuação do ostracismo manicomial como medida terapêutica, logo, em hipótese alguma faz sentido o hospital psiquiátrico, apenas o tratamento psiquiátrico, necessariamente acompanhado das abordagens psicossociais, da saúde mental coletiva e da educação em saúde mental.

A sociedade gaúcha não pode permitir que se continue mantendo um parque manicomial, desconsiderando os direitos humanos mais básicos, na contracorrente de todos os dispositivos legais e de todas as indicações mundiais (de acordo com a Organização Mundial de Saúde) para a atenção e gestão em saúde mental. É preciso desmontar o manicômio. É preciso ensejar a reforma psiquiátrica na materialidade de uma rede substitutiva que se afirma e se impõe na desconstrução Hospital Psiquiátrico São Pedro. É preciso retomar e aprimorar o Projeto São Pedro Cidadão.

Trabalhadores, Docentes e Estudantes da Área da Saúde do Rio Grande do Sul




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