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CARTA DE JUNDIAÍ - Pela compreensão e concretização do Garantismo Processual

Para: COMUNIDADE JURÍDICA

1. O direito processual legislado e aplicado no Brasil segue à mercê da realização de uma espécie de dirigismo – ou ativismo judicial – protagonizado pela pessoa física exercente do poder jurisdicional. Denuncia-se situação assemelhada nos países vizinhos da América Latina, como também nalguns outros da Europa continental.

É mais comum do que deveria ser observar juízes e tribunais solucionando os problemas que lhes são submetidos a partir de pautas utilitaristas voltadas a saciar o “senso pessoal de justiça” do julgador ou – o que é tão grave quanto – a dar uma espécie de “resposta” ao clamor popular por “justiça” diante de certas situações. Sempre que isso acontece, a constitucionalidade das regras que estruturam o devido processo é amesquinhada pelo arbítrio solipsista da autoridade responsável pelo ato de fala decisional. Tais caprichos idiossincráticos invadem a arte do proceder (=concessão de liminares e direção do procedimento probatório, por exemplo) e a arte do julgar, sendo esta última, invariavelmente, o prius dos deveres republicanos que a Constituição outorga ao Poder Judiciário. Essa realidade factual avassala todos os quadrantes e instâncias dos assim chamados processos civil, penal e trabalhista. Este último, vale dizer, operado em ambiente cujas práticas de poder projetam nossa lembrança empírica mais ao modus operandi do Poder Executivo e menos à funcionalidade constitucional do Poder Judiciário, talvez por ainda trazer consigo o ranço pragmático-administrativo que lhe marcou o perfil quando de sua criação pelo Estado Novo varguista.

2. A etiologia das várias distorções que subvertem e fragilizam as garantias constitucionais que estruturam a ontologia do Processo tem origem em fatores diversos, e a doutrina, quando se resigna a racionalizar com isenção ideológica, descreve os porquês desse estado de coisas. No mundo ibero-americano hispano-parlante, por exemplo, JUAN MONTERO AROCA, desde Espanha, e ADOLFO ALVARADO VELLOSO, da vizinha Argentina, há quase duas décadas vêm chamando a atenção da comunidade de processualistas para o fato de que o processo que praticamos se apresenta refém de soluções de cariz casuístico-autoritário. No Brasil, uma nova geração de estudiosos do processo civil e penal, das mais variadas origens e formações, vem refletindo e escrevendo contra as lições aqui reinantes que nos foram passadas e que acabaram sendo assimiladas irrefletidamente, sem a devida compatibilização com as garantias processuais postas ao nível constitucional. Fora dos estritos confins da processualísticas, LÊNIO STRECK e outros críticos hermeneutas do Direito vêm colaborando intensamente com a comunidade jurídica nacional para exortar-lhe a refletir sobre o conteúdo argumentativo que dá suporte a certos atos decisórios orientados por uma inescondível excentricidade.

3. Mas para além das pessoas e suas singulares ideias, o movimento de (re)pensar garantisticamente o processo também vem do plano institucional, e a CARTA DE JUNDIAÍ, sem prejuízo de outras, põe em evidência três instituições que vêm reverberando agudamente o Garantismo Processual em nosso país. São elas: [i] o Instituto Pan-americano de Direito Processual (IPDP), no plano internacional e interno, através de seu Capítulo Brasil, [ii] a Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e [iii] a Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). Estas três instituições processuais mostram-se abertamente vocacionadas a molecularizar pessoas e a atomizar pensamentos de viés processual garantista. Não por outra razão que a ABDPro tem sua missão institucional radicada em dois critérios materiais básicos: 1) combater o hiperpublicismo processual, que tem alçado o juiz a um – excessivo – protagonismo, e 2) renovar a metodologia dogmático-processual a partir de recentes conquistas filosóficas, mormente nas áreas da lógica, epistemologia, hermenêutica e linguagem.

4. Mas o que pode ser entendido por Garantismo Processual? O Garantismo é uma forma de pensar o Processo em suas dimensões analítico-legal, semântico-conceitual e pragmático-jurisprudencial como efetiva GARANTIA do indivíduo e da sociedade perante o poder estatal de exercer a Jurisdição. Se processo é garantia, jurisdição é poder, e este só será legitimamente exercido quando concatenar as regras de garantia estabelecidas no plano constitucional, como o devido processo, o contraditório (=direito das partes, não do juiz), a ampla defesa, a imparcialidade, a impartialidade, a acusatoriedade, a liberdade, a dispositividade, a igualdade, a segurança jurídica, a separação dos poderes, a presunção de inocência etecetera. O Garantismo Processual, ainda, respeita e leva a sério o papel contramajoritário da Constituição e das garantias por ela estabelecidas, além de racionalmente empreender, em caráter pedagógico, na dissuasão de posturas dogmático-discursivas que, contraditórias à Liberdade constitucionalmente garantida, contemplam proposições e soluções jurisdicionais ex parte principis reveladoras de arbítrio. O Garantismo Processual também implica um tipo de concentricidade que remete o seu discurso à cláusula do due process of law, que por resplandecer no núcleo fundante dos direitos e garantias fundamentais de nossa Constituição da República faz do Processo uma instituição de garantia, e não um ambiente político estatal para que o Judiciário atue para conflagrar a macrocósmica visão de mundo dos agentes públicos que o integram.

Logo, qualquer postura racional (=plano das ideias) ou realizacional (=plano prático) que rejeite a utilização do Processo como ambiente autoritário-volitivo-criativo será uma postura de salvaguarda do processo como garantia. Portanto, uma postura consentânea com o Garantismo Processual e todos os multifacetados valores constitucionais nos quais se encontra aninhado.

5. Se pelas lentes da ciência política a visão garantista do processo possa ser identificada com eventual inclinação filosófica mais liberal, muito além de qualquer rompante ideológico é de singular importância apreender o Garantismo como postura que reivindica o manejo técnico do processo a partir daquilo que, funcional e constitucionalmente, ele é: o local adequado onde alguém (=autor) pedirá uma determinada providência coativa em face de outrem (=réu) para que um terceiro (=juiz), após contraditório e ampla defesa exercidos pelos litigantes, decida com base em regras pré-estabelecidas, naturalmente compatíveis com a Constituição.

Portanto, legislação, doutrina, jurisprudência, advogados públicos ou privados, juízes, representantes do Ministério Público, não podem pretender outra coisa que não seja pensar e operar o processo jurisdicional a partir das pautas republicanas e democráticas estatuídas pela Constituição, sem que se perca de vista que a cláusula do devido processo legal e suas derivações fazem do Processo uma instituição de garantia, que não se compadece com investidas político-subjetivas por parte do Judiciário ou de seus agentes.

Do contrário, estaremos nós operadores do processo, notadamente as autoridades judiciais, dissimulando o próprio despotismo diante da sociedade leiga jurisdicionada, à guisa de um mal-acabado arremedo de oligarquia jurídico-processual responsável por um ilegítimo, irracional e antirrepublicano “governo de ocasião”, gerado pelo ativismo judicial e destilado no processo pelas decisões que são decretadas por seu intermédio.

O Garantismo Processual é capaz arrefecer o ativismo judicial, por isso é preciso compreendê-lo e concretizá-lo.

Seguiremos fazendo a nossa parte!

CARTA lida na oportunidade do “Colóquio Internacional – No ensejo do primeiro ano de vigência do CPC-2015”, onde palestraram membros da ABDPro e do IPDP.


Jundiaí, 19 de agosto de 2017.




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