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CARTA ABERTA SOBRE A LEI N. 10.340/2024 QUE INSTITUI A SEMANA ESTADUAL "TODOS CONTRA A PEDOFILIA" NO ESTADO DO PARÁ

Para: Exmo. Sr. Governador do Estado do Pará, Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Pará e Exma. Sra. Promotora de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado do Pará

Nós, professoras, professores, pesquisadoras, pesquisadores, representantes da sociedade civil organizada, operadores do direito e das políticas públicas de proteção às crianças e adolescentes, tomamos conhecimento da publicação da LEI ESTADUAL N.° 10.340, DE 8 DE JANEIRO DE 2024, que instituiu a Semana Estadual “Todos Contra a Pedofilia”, e que foi sancionada por V.Exa., Governador do Estado do Pará, o que desde já manifestamos que tal legislação é incompatível com a legislação e o planejamento intersetorial do enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes no Estado do Pará e utiliza termos já superados pela Doutrina e Legislação relativa à área criminal e aos direitos da criança e do adolescente.

De início, cabe informar que a tramitação do Projeto de Lei n.º 660/2023, de autoria da deputada estadual Diana Belo (MDB), que resultou na Lei Estadual supracitada, em nenhum momento possibilitou a construção de espaços de diálogo com as universidades, as organizações da sociedade civil, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Pará (CEDCA/PA) e, sobretudo, com as crianças e os adolescentes, desconsiderando o papel do controle social e da participação infantojuvenil, e gerando um enorme prejuízo na qualidade da atuação do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD) para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

O Estado do Pará já possui a Lei Estadual n.º 8.618/2018 que institui o "Maio Laranja", dedicado à realização de ações preventivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes ao longo do mês de maio, coerente com a orientação dada pela Lei Federal n.º 9.970, de 17 de maio de 2000, que instituiu o dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Ao mesmo tempo, o Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes do Pará (2021-2031), aprovado pelo CEDCA/PA por meio da Resolução n.º 083/2021-CEDCA/PA, e construído com o apoio do Comitê Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes do Pará, em nenhum momento estabelece a necessidade de se utilizar a semana do direitos das crianças para a realização das atividades propostas na Lei n. 10.340/2024, o que reforça o dissintonia da referida Lei para com todo o planejamento intersetorial do SGD do estado do Pará.

O Plano Estadual, inclusive, possui inúmeras ações de caráter educativo e sensibilizador, especialmente no Eixo I - Prevenção e no Eixo VI - Comunicação e Mobilização Social, que foram totalmente desconsideradas na proposição e tramitação da Lei n. 10.340/2024, gerando, inclusive, a possibilidade de sobreposição de iniciativas, dado a evidente desconexão entre a nova Lei e o planejamento intersetorial presente no Plano Estadual.

Por outro lado, a utilização do termo "pedofilia" para categorizar as práticas de violência sexual sofridas por crianças e adolescentes já está totalmente superado em termos normativos e clínicos, sendo, propriamente, um termo que gera estigma social e prejuízo a efetiva atuação no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Nossa discordância se fundamenta em referências balizadas em pesquisas científicas, dentre elas a própria Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) que define a PEDOFILIA como transtorno de preferência sexual ou parafílico, em que o indivíduo tem preferência sexual por crianças e adolescentes.

Trata se de uma doença, um desvio de sexualidade, que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças e adolescentes de forma compulsiva e obsessiva, podendo levar ao abuso sexual. O pedófilo é, na maioria das vezes, uma pessoa que aparenta normalidade no meio profissional e na sociedade. Ele se torna criminoso quando utiliza o corpo de uma criança ou adolescente para sua satisfação sexual, com ou sem o uso da violência física.

Assim, vimos a público manifestar nossa total discordância com a utilização da palavra “PEDOFILIA” na lei supramencionada, pois traz anacronia imensurável em razão de que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) utiliza a classificação como “doença”, e não como categoria penal, e as pessoas assim sejam acusadas ou tipificadas em sede de inquérito policial e denunciadas pelo Ministério Público por terem cometido abuso sexual contra criança ou adolescente, podem, ao serem diagnosticadas como pedófilas, serem consideradas inimputáveis, ou seja, não terem responsabilidade penal a que pode ser respondida - disso denota-se o grande risco de se reafirmar “pedofilia”, por incongruente senso comum que ainda permeia o imaginário coletivo.

Desta forma, externamos nossa discordância que se fundamenta em referências balizadas em pesquisa científica, dentre elas a própria Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) e o Diagnóstico de Saúde Mental (DSM) 5.

Além disso, cabe destacar que a Lei n.º 13.431/2017, que institui o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente Vítima ou Testemunha de Violência, já pacificou a definição normativa de violência sexual contra crianças e adolescentes, ao estabelecer no artigo 4º, inciso III:

"Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:

[...]

III - violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:

a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;

b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;

c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação;"

Portanto, em nenhum parte do referido texto normativo faz-se uso da categoria "pedofilia" para classificar a violência sexual, justamente porque, como dito anteriormente, ela não é uma categoria da esfera jurídico-penal, mas sim da área clínica, em que não cabe realizar o enfrentamento protetivo, e sim o tratamento dos sujeitos, ainda que os atos de abuso sexual que possam ter cometido necessitam, também, do efetivo atendimento das crianças e adolescentes que possam ter sido vítimas ou testemunhas.

Aliás, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal Brasileiro fazem uso do termo "pedofilia" para construir os tipos normativos que violam a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Repita-se: nenhum artigo!

A Lei n. 10.340/2024 demonstra ainda sua baixa qualidade técnica quando, no seu artigo 3º, aborda que a normativa tem o intuito de combater, ao realizar a referida Semana, a pedofilia (Art. 3º, Inc. I), a pornografia infantil (Art.3º, Inc. II) e o assédio sexual (Art.3º, Inc. III), gerando uma confusão conceitual ainda maior e que incorretamente trabalha a "pedofilia" como categoria compatível das demais, quando, na verdade, não é.

Além disso, destacamos outra anacronia na Lei n. 10.340/2024, ao utilizar o termo "pornografia infantil", desconsiderando a terminologia mai adequada na atualidade de "exploração sexual comercial", presente na Lei n.13.431/2017, pois as crianças e adolescentes são levadas, por inúmeras razões, a essa condição de exploração, não por sua iniciativa própria, de modo a apontar mais esse retrocesso na nova Lei.

A Lei n. 10.340/2024, ao demonstrar-se inadequada, apresenta-se, também, como despesa pública desnecessária. Qualquer instituição governamental ou não-governamental que recorra a recursos públicos ou privados, e/ou editais de fomento à cultura ao utilizar desta Lei (como referência técnico-teórico), estará produzindo livros, cartilhas, cartazes, revistas, materiais audiovisuais e/ou recursos didáticos em todas as linguagens, desajustados aos dispositivos legais supracitados. Levando ao uso inadequado de dinheiro público, como emenda parlamentar ou editais municipais, estaduais e/ou federais. Material que será objeto de desinformação, prejudicando todo e qualquer avanço no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Na verdade, a medida mais coerente no âmbito do Governo do Estado seria fortalecer institucionalmente a implementação no Pará da Lei Federal n.º 13.431/2017, por meio do efetivo cumprimento do Pacto Estadual para Implementação da Lei n.13.431/2017, formalizado por meio do Termo de Cooperação n. 014, de 19 de dezembro de 2019, e com vigência de 60 meses, portanto, até o final de 2024, e que foi assinado por várias autoridades do Poder Público Estadual, mas até hoje pouco efetivado.

Além disso, dar condições materiais, técnicas e humanas para a efetiva implementação e o das metas e ações previstas no Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes do Pará (2021-2031), cujo monitoramento está sob responsabilidade do CEDCA/PA e do Comitê de Enfrentamento à Violência Sexual e sob suporte administrativo da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (SEASTER), o que ainda vemos está em passos muitos lentos desde 2021.

Por essa razão, não achamos adequado que uma semana de prevenção à violência contra crianças e adolescentes deva ser intitulada “Todos contra a pedofilia”.

Pelo exposto, entendemos ser imperativo que haja:

1) A revogação total do texto da Lei n. 10.340/2024, por incompatibilidade normativa e técnica com a doutrina, a legislação e o planejamento intersetorial dos direitos de crianças e adolescentes;

2) Em não havendo a revogação total da referida Lei, a necessidade de sua reforma para adequação dos termos utilizados aos parâmetros atualmente utilizados pelos direitos de crianças e adolescentes em relação à violência sexual, assegurando a ampla participação social no processo de revisão do texto normativo;

3) O estabelecimento de medidas efetivas por parte do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA) para o fortalecimento do cumprimento do Plano Estadual de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes do Pará (2021-2031) e do Pacto Estadual para Implementação da Lei n.13.431/2017 do Pará, assegurando a participação social;

4) A adoção pelo Ministério Público do Estado do Pará das medidas pertinentes para o alcance das recomendações contidas na presente Carta, não obstante a possibilidade de adoção de outras medidas que entender necessárias.

Assinam a presente Carta as pessoas e organizações abaixo listadas.




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