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Proposta de Restruturação do Carf

Para: Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil e publico em geral

INTRODUÇÃO

Os detalhes da investigação sobre a corrupção bilionária no CARF nos permitiram identificar alguns padrões e diagnosticar mais precisamente as condições que tornaram possível o conluio entre os conselheiros.

A paridade entre conselheiros fazendários e de contribuintes é a primeira coisa que salta aos olhos de todos, mas há outros fatores igualmente relevantes e não tão evidentes. O diagnóstico que se apegar apenas ao elemento óbvio resultará em um novo modelo estruturalmente fraco, que não solucionará o problema da corrupção.

Claro está que metade da turma representa o Estado que lhe paga o salário para servir imparcialmente a uma finalidade pública; outra metade é contratada pelas mesmas empresas ou confederações patronais que têm interesses milionários em jogo nos processos em julgamento.

Partindo do pressuposto de que os conselheiros de contribuintes naturalmente terão uma tendência de votar favoravelmente aos interesses de quem de fato lhes sustenta, bastaria uma maçã podre do lado fazendário para resolver o problema. Essa é a assunção corrente, não inteiramente verdadeira.

Mais importante é o poder extraordinário conferido a poucos indivíduos, em uma pequena turma de julgamento, em uma única instância, julgando processos bilionários, tornar definitiva uma decisão contra a Fazenda Pública. E isso é perigoso em qualquer circunstância, com ou sem paridade.

Quando se adiciona o fato de que o CARF tem licença para julgar em um marco normativo diferente daquele da fiscalização e do julgamento de 1a instância, fazendo o controle da legalidade dos atos normativos aos quais a autoridade lançadora e os julgadores de DRJs estão adstritos por obrigação legal, essa licença equivale, por analogia, a uma “licença para matar”, atuando acima das normas da Receita, matando um processo com uma única decisão, da qual a União não poderá recorrer, ao contrário dos contribuintes que, salvaguardados por cláusula pétrea da Constituição, podem reiniciar o processo no judiciário em 1a instância em caso de derrota.

Essas condições, de fato, tornaram o CARF um paraíso para os empresários e para os advogados tributaristas que só têm elogios à estrutura atual que, mesmo após uma reforma apressada, pouco resolveu para eliminar esses fatores. Sem as múltiplas instâncias no judiciário, sem o longo trajeto de passar por juízes, tribunais, sem as inúmeras possibilidades de recursos da União, apenas uma única instância com poder total contra a Fazenda Pública, sem possibilidade de recurso. Um verdadeiro paraíso para sonegadores e corruptores. Sai incomparavelmente mais barato comprar uma decisão no CARF do que no judiciário.

Olhando por dentro do modelo e com o diagnóstico incompleto, o senador que preside a CPI do CARF adotou apressadamente, antes mesmo da conclusão dos trabalhos, a proposta de criação de um tribunal administrativo tributário com poderes judicantes de duvidosa constitucionalidade.

A proposta de agilizar o julgamento tributário com a remessa direta para a 2ª instância do judiciário esbarra no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal combinado com o art. 60, §4º, IV, pois é precisamente a 1ª instância do judiciário quem pode apreciar os elementos fáticos para apurar a lesão ou ameaça de direito, como alertou o jurista Heleno Torres na CPI do CARF.

Quando olhamos por fora do modelo, porém, chegamos a uma conclusão de que os elementos que permitem o conluio - malgrado a eliminação da paridade e do vínculo alimentício com dois senhores diferentes - ainda estão lá e, sob determinado aspecto, agravados.

A proposta materializada na PEC 112/2015 sofre de uma admirável candura em relação à natureza do ser humano. A ideia passada para a sociedade como solução para evitar a corrupção baseia-se na crença singela de que um pequeno, permanente e intocável grupo de servidores públicos, advogados concursados com idade mínima de 30 anos, convivendo ao longo de décadas, ficaria imune à enorme tentação do dinheiro. Em contraponto a uma vida frugal de servidor público, bastaria um único pecado em uma causa bilionária, encoberto por uma veste litúrgica de uma tese acadêmica de controle da legalidade, para se enriquecerem definitivamente para o resto de suas vidas. E ainda receberiam elogios dos pares e jurisconsultos por sua inteligência jurídica.

Um novo modelo de funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tem que ser pensado em cima de uma análise das condições que permitiram e ainda permitem o conluio entre os membros de um colegiado.

De maneira muito sintética, a estrutura do julgamento administrativo em 2ª instância aqui proposta está modelada em três linhas/conceitos. Cada conceito contém uma síntese do problema (uma frase ou parágrafo curto), o diagnóstico e a solução do problema, também sintetizada em um parágrafo e depois propriamente descrita.


QUEBRANDO VÍNCULOS

Quando um pequeno grupo de pessoas dispõe de um poder terminativo e lida com processos de alto valor, a possibilidade de enriquecer ilicitamente em um curto espaço de tempo compensa largamente o pequeno risco envolvido na operação.

DIAGNÓSTICO

A corrupção em uma decisão colegiada acontece quando há conluio entre a maioria simples de seus membros. O conluio se forma a partir da criação de vínculos pessoais de amizade, de interesse, salariais, contratuais ou de parentesco.

Entre as várias espécies, o vínculo salarial ou contratual (com escritórios/empresas) dos conselheiros de contribuintes é o mais direto. Um axioma diz que quem paga a orquestra, escolhe a música. O caso descoberto na operação Zelotes já é emblemático o suficiente para entender que ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Em outras palavras, não há isenção possível com paridade.

Não obstante, pode ser vantajoso a existência de uma representação minoritária de conselheiros de contribuintes, em proporção que não coloque em risco a segurança do julgamento (1/5 como no STJ, ou menos) ao tempo em que traz novas perspectivas e joga ar fresco em um ambiente institucional que naturalmente tenderia a se cristalizar em uma visão fechada, produzindo um desejável contraditório, resultando em melhoria na qualidade do julgamento.

Essa representação minoritária não é incompatível com o modelo que será proposto a seguir, desde que siga as mesmas regras.

Outro tipo de vínculo, o de parentesco, facilita a operação. Os laços familiares tornam mais simples a relação de confiança necessária para diminuir o risco de montar esquemas complexos envolvendo vários conselheiros, escritórios de advocacia e contribuintes.

Já foram instituídas algumas travas regimentais que tratam dessa questão nos artigos 42 e 43 do novo Regimento do CARF. Elas impedem, por exemplo, que o conselheiro participe no julgamento de recursos em que seu cônjuge, companheiro, parente consanguíneo ou afim até o 2º (segundo) grau atue no escritório do patrono do contribuinte, como sócio, empregado, colaborador ou associado. Mas o regimento não impede que esses parentes lavem o dinheiro da corrupção por meio de consultoria a empresas, e não impedem nem mesmo o conselheiro representante dos contribuintes de prestar, posteriormente à data da sessão em que for concluído o julgamento do recurso, consultoria, assessoria, assistência jurídica ou contábil ou perceba remuneração do interessado, ou empresa do mesmo grupo econômico, sob qualquer título.

Não há como cercar todas as possibilidades no modelo atual, pois ele permite a formação de vínculos bem mais numerosos que os vínculos de parentesco: os vínculos pessoais, que se forjam na convivência. O fator temporal é importantíssimo na formação desses vínculos – muito embora os conselheiros membros da mesma turma e advogados de contribuintes em sua maioria não morem na mesma cidade, encontram-se todo mês em sessões do Conselho.

Almoços, convites para eventos, viagens, congressos, ajudam na aproximação para a criação de laços pessoais de amizade ou de interesse.

O modelo proposto na PEC 112/2015 acrescenta um ingrediente a mais neste modelo que favorece a corrupção, na medida em que torna permanente essa convivência. O fator espacial passa a ser determinante de risco na formação de conluios. Membros permanentes de uma turma fixa de julgamento, naturalmente especializados em determinado tributo, inamovíveis, vitalícios, trabalhando no mesmo local, morando na mesma cidade, reunindo-se regularmente, almoçando juntos, frequentam a casa uns dos outros. Os próprios escritórios de advocacia atuantes nos processos tributários têm representação na capital federal, facilitando a aproximação e tornando permanente o contato.

Tal risco existe também na primeira instância nas Delegacias de Julgamento, mas não são relevantes por conta de dois fatores:

1. o limite de alçada que torna obrigatório o recurso de ofício em processos de valor acima de 1 milhão de reais;

2. A distribuição centralizada que retirou muitas das possibilidades de conluio de julgadores com ex-colegas de julgamento aposentados ou escritórios locais de advocacia, uma vez que são julgados processos de outros Estados, muitos distantes da sede da DRJ. Uma forma satisfatória de quebrar vínculos em primeira instância.

Mas para a segunda (e última instância), que concentra em um só lugar, em poucas pessoas, um poder definitivo, é preciso um modelo que elimine totalmente os fatores espaciais e temporais, quebrando qualquer possibilidade de formação de vínculos entre os membros de uma sessão de julgamento ou entre esses e os advogados interessados nos processos.

SOLUÇÃO

Turmas em constante mutação. Sorteio de membros sobre uma reserva de conselheiros maior que cinco vezes o número de conselheiros da sessão mensal. Os conselheiros não saberão quem serão os outros conselheiros da turma até a data da publicação da pauta, dez dias antes da sessão. Nem mesmo o escolhido para presidir aquela sessão poderá saber quem serão os membros de sua turma antecipadamente.

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É preciso quebrar qualquer possibilidade de vínculo pessoal, temporal ou espacial. Para isso, não basta o sorteio de processos como é feito atualmente. Os conselheiros também devem ser sorteados. As turmas não podem se repetir. Mas para que isso seja possível matematicamente, é preciso que haja um contingente de reserva de onde sortear os conselheiros. O mero rodízio de pouco mais de uma centena de conselheiros fixos não é suficiente para se produzir a variabilidade desejada.

A solução é bastante simples e não demanda aumento de despesas. Apenas uma pequena
alteração no sistema e-processo.

Temos nas DRJs algo em torno de 600 julgadores, todos com capacidade e conhecimento mais do que suficientes para julgar em primeira ou em segunda instância. As Delegacias da Receita Federal de Julgamento e seus julgadores sempre foram reconhecidos, dentro e fora da RFB, pela excelência do trabalho desenvolvido e pela consolidação e produção de conhecimento jurídico na área tributária, servindo de referência interna e a diversos outros órgãos e entidades. Não há dúvida sobre a capacidade destes servidores.

Agregamos a esses os cerca de 150 conselheiros fazendários e teremos uma reserva de aproximadamente 750 julgadores espalhados em 14 delegacias de julgamento geograficamente distantes, de Belém a Porto Alegre.

1) Estabelecemos que, daí por diante, todos esses 750 julgadores serão julgadores de 1ª e 2ª instância. Ou seja, todos serão julgadores nas DRJs e, de tempos em tempos, atuarão também como conselheiros no CARF.

Mensalmente o Conselho, com base no estoque de processos, estabelece uma quantidade variável de turmas conforme a quantidade e complexidade dos processos. E o Conselho terá um mapa de especializações por tributo (julgadores de IRPJ, de IPI, etc.) e perfis (julgadores de processos complexos, julgadores de lotes) dos 750 julgadores.

Suponhamos então um exemplo: tem-se mapeado que destes 750 julgadores, 150 são especializados em IRPJ. O estoque deste mês necessitará de 3 turmas de 7 julgadores (sete é um número interessante que equilibra a produtividade e o risco – um número maior fica improdutivo e um menor aumenta o risco de conluio. No mínimo a turma deveria ter 5 julgadores).

2) O sistema do CARF impessoalmente distribuirá esses processos considerando os seguintes
critérios:

A. Geográfico: um julgador de cada DRJ de forma a não haver julgadores da mesma DRJ a comporem uma mesma turma no Conselho.

B. Temporal: o julgador que atuou em 2ª instância em um mês ficará fora do sorteio nos próximos 3 meses.

C. O relator do processo na 1ª instância não poderá relatar o mesmo processo na 2ª instância.

D. O perfil do julgador – se ele é mais produtivo julgando processos complexos, ou de média complexidade, ou lotes.

Então teríamos hipoteticamente em uma turma, em um determinado mês, um julgador da DRJ de Porto Alegre, outro da DRJ de Fortaleza, outro da DRJ de Belo Horizonte, outro da DRJ de Ribeirão Preto e etc.

3) O elemento essencial: cada relator sorteado recebe sua carga de processos, mas não saberá quem serão os outros membros da sua turma até 10 dias antes do início da sessão, quando é publicada a pauta.

Cada um desses julgadores receberá uma carga de processos do CARF para serem julgados e incluídos na pauta da sessão do mês subsequente. Mas ele não saberá até o dia da publicação da pauta quais serão os outros processos da pauta e, consequentemente, não saberá quem serão os membros de sua turma.

4) Uma vez publicada a pauta, cada relator, além de sua carga de processos a relatar, enxergará também os processos indicados para a pauta em sua turma e o respectivo relatório, obrigatoriamente incluído quando da indicação do processo para a pauta, de forma que os outros membros da turma possam conhecer as questões em litígio 10 dias antes da sessão.

Nossa experiência em DRJ até mesmo com julgadores ad hoc demonstra que não há a menor necessidade de se conhecer antecipadamente os outros relatores. Há um pequeno prejuízo em produtividade, porque em turmas fixas você já conhece o que pensa o relator, confia em seu discernimento e, muitas vezes, quando o tema conhecido da turma, dispensamos até mesmo a leitura.

Mas o que se perde em produtividade, ganha-se em segurança. Quando não se conhece o outro relator, há um aumento de atenção ao processo relatado pelo outro e a tendência natural do julgador é se cercar de garantias compreendendo os contornos do litígio e se certificando que o relator está sendo fiel ao processo. Nesse caso, uma vantagem ao modelo.

5) O Procurador da Fazenda enxergará os processos que estarão em julgamento em uma determinada turma desde a distribuição para que ele possa selecionar os processos prioritários para defender a Fazenda Pública, mas não saberá até o dia da publicação da pauta da sessão mensal quem são os relatores.

Dessa forma, não fica nenhum ponto fraco no modelo, alguém com conhecimento prévio de quem serão os relatores. Eventualmente alguns processos distribuídos ficarão de fora da pauta daquela sessão, mas entrarão em sessões seguintes, de forma que o trabalho nunca será perdido.

6) Optando-se pela representação minoritária de representantes de contribuintes, serão aplicados os mesmos critérios anteriores. Se atualmente há cerca de 120 conselheiros de contribuintes no CARF, esse número garante uma variabilidade suficiente para uma representação minoritária de 1/5 ou 1/7.

No nosso exemplo hipotético de apenas 3 turmas, seriam selecionados 3 conselheiros de contribuintes do contingente atual de conselheiros representantes de contribuintes para compor as turmas. Eles também receberiam cada qual uma carga para relatar, enxergariam os processos que serão julgados na turma, mas não saberiam até o dia da publicação da pautaqual a sua turma de julgamento.

7) Terminada a sessão mensal, os auditores fiscais voltam para suas DRJs para julgar processos de 1ª instância e só retornarão ao CARF vários meses depois, quando for sorteado em outra turma, com outros julgadores. Os processos distribuídos mas não colocados em pauta na sessão devem sair da carga do relator e voltar ao sorteio para outras sessões/turmas.

Matematicamente, é possível que um julgador, em algum momento, encontre um ou dois julgadores novamente em uma mesma turma, mas dificilmente irá encontrar exatamente a mesma composição novamente e o algoritmo pode tratar isso adequadamente.

Há um nó importante nesse modelo: o pedido de vista. Sabemos - a Operação Zelotes detectou - que o pedido de vista era usado como um duplo sinal: um sinal de que o proponente da propina tinha o processo sob controle para receber um outro sinal, o pagamento da entrada, indicando que o empresário concordou em contratar a operação. Pode ser usado também como uma maneira de ganhar tempo para combinar a propina ou o voto de outro conselheiro.

A obrigação do Relator de anexar o relatório do processo no sistema e-processo no momento da indicação para pauta visa justamente reduzir a necessidade de vistas, pois ao ser publicada a pauta, já se teria acesso ao relatório para conhecer os tópicos que compõem o litígio.

8) Para resolver adequadamente essa questão, os pedidos de vista teriam o seguinte tratamento:

A. A “vista” joga o processo para o final da pauta, para o último dia de sessão, para que haja mais tempo para elaboração e estudo.

B. Chegou no último dia de sessão a turma não formou convicção para decidir o processo, admite-se opcionalmente prorrogar a sessão por mais um dia.

C. Não formou convicção para julgar mesmo após a prorrogação, retira-se de pauta e o processo é redistribuído por sorteio para outro relator (ninguém daquela turma), para ser julgado no mês seguinte em outra turma, com sinalização de prioritário, não podendo ter o julgamento adiado por mais um mês, evitando dessa forma um ciclo infinito.

D. A sinalização de prioritário, o relatório e voto anexado (não teria sentido perder o trabalho de um relator) e um resumo dos motivos de dúvida, irá fazer com que o novo relator e todos os outros membros sorteados no mês seguinte para aquela turma onde será julgado o processo tenham tempo hábil para formar convicção, sem perda de produtividade.

Defeito na implementação: a turma se livrar de uma questão complexa e passar o problema para outra. Mas isso não condiz com a responsabilidade que normalmente os julgadores demonstram. E o regimento deve impedir que o processo seja novamente retirado de pauta no mês seguinte. Ele passaria a bloquear a pauta.

Olhando o modelo como um todo, a variabilidade contínua, o critério geográfico de dispersão e a ausência de repetição temporal de uma mesma turma, ele não é a prova de falhas, mas dificulta muito além de qualquer outra medida a formação de conluio.

Veja do ponto de vista dos corruptores a dificuldade de compor com segurança, sem se expor, no espaço de 10 dias, com a maioria simples dos membros de uma turma, sem conhecê-los previamente.

Uma observação importante diz respeito à gestão do conjunto de DRJs. O órgão central que cuida da distribuição tem que, de tempos em tempos, adequar o mapa de especializações de julgadores por tributo, de forma a equilibrar a demanda. Por exemplo, se o estoque de IPI está crescendo, abre-se mais vagas para julgador de IPI ou redireciona-se membros de outras turmas (cujo tributo esteja em estoque decrescente) para julgar o IPI. Dado o tempo que leva para formação, esse processo tem que ser criterioso, mas tem que ser feito.

Outra necessidade é redistribuir melhor o julgamento de alguns tributos, como IPI, IRPF e ITR,
atualmente restritos a poucas DRJs.


JULGANDO NO MESMO MARCO NORMATIVO

Não existe na realidade um duplo grau de jurisdição na esfera administrativa, pois o CARF reexamina a matéria sob um marco normativo diferente da primeira instância, fazendo o controle da legalidade dos atos normativos da Receita Federal. Esse fato, por si só, é um dos grandes responsáveis por prejuízos bilionários aos cofres públicos.

DIAGNÓSTICO

Na medida em que o CARF tem a licença autoconcedida e acatada pela Fazenda Pública de julgar em um marco normativo diferente das Delegacias de Julgamento, fazendo o controle da legalidade dos atos normativos expedidos pela Receita Federal no exercício de sua competência, o duplo grau de jurisdição não existe de fato na esfera administrativa.

Trata-se de julgamento inteiramente novo, porque tem a liberdade de ignorar a legislação ao que o primeiro estava adstrito. Imagine se tal dissociação seria possível no judiciário: o juiz julgando com base em um marco normativo e os tribunais por outro! Espantosamente é exatamente isso o que acontece na esfera administrativa.

Então podemos considerar que o CARF julga em instância única, porque ele reexamina a matéria sob uma perspectiva inacessível à primeira instância.

E isso tem sido a causa primária de prejuízos bilionários aos cofres públicos. Há exemplos de teses muito bem construídas por Conselheiros Fazendários no CARF para conceder ressarcimento de milhões em créditos que depois não se sustentaram no Supremo Tribunal Federal. Mas daí o prejuízo já estava consumado.

SOLUÇÃO

Mesmo marco normativo para 1ª e 2ª instância do contencioso administrativo fiscal. Ou todos podem fazer o controle da legalidade dos atos normativos, ou ninguém faz. Evolução mais rápida do marco normativo da Receita.

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Obedecendo aos mesmos critérios de competência especifica da matéria e dispersão geográfica, as turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais serão compostas por sorteio a cada sessão, com periodicidade a ser definida. As turmas da CSRF podem ser especializadas por grupo de tributos em quantidade variável conforme demanda, compostas de 4 ou 6 presidentes de turma de DRJs diversas e 1 Delegado de Julgamento presidindo a sessão.

A CSRF irá sumular decisões, evoluindo mais rapidamente o marco normativo que balizará as decisões de 1ª e 2ª instâncias. A Receita tem que se preparar para em um curto espaço de tempo fazer com que essas súmulas se reflitam nas Instruções Normativas, Pareceres, Notas Técnicas, Normas de Execução, Soluções de Consultas e Soluções de Divergências.

Na CSRF não se aconselha representação de contribuintes nem mesmo minoritária, simplesmente porque não cabe a eles sumular decisões que irão afetar atos normativos internos da Receita.


APRIMORANDO A QUALIDADE DO JULGAMENTO

A métrica do trabalho intelectual nivela por baixo a qualidade do julgamento e desmotiva os julgadores. A administração resulta ineficiente quando os meios de controle comprometem os fins a que se destinam.

DIAGNÓSTICO

As Delegacias da Receita Federal de Julgamento e seus julgadores são respeitados pela excelência do trabalho desenvolvido, a qualidade de seus julgados e a produção de conhecimento jurídico na área tributária, servindo como referência inclusive a outros órgãos e entidades.

Tal conquista foi o resultado de longo prazo de um trabalho bilateral e de cooperação entre servidores e gestão, materializado em um paradigma fundamentado em motivação e valorização dos julgadores, gestão descentralizada, equipes autogeridas, respeito às especificidades locais, investimento relevante e permanente em capacitação e remuneração compatível com a complexidade da atividade.

No entanto, nos últimos anos, os Órgãos Centrais da RFB vêm mudando radicalmente sua abordagem em relação à atividade de julgamento, aplicando a essa atividade um paradigma de controle, reducionismo e centralização da gestão, tratando de forma mecanicista uma atividade de baixo grau de mecanicidade como o julgamento, incorrendo em risco de perda irreversível do desempenho de excelência e de parte do conhecimento acumulado por toda a equipe de julgadores e gestores locais dessa estrutura, adquiridos por esforço concentrado ao longo de muitos anos de trabalho.

Os julgadores têm diferentes perfis de trabalho. Características individuais determinam a satisfação por um ou outro tipo de trabalho. Alguns preferem enfrentar desafios complexos e trabalhar no raciocínio jurídico para resolvê-los. Outros encontram seu melhor desempenho julgando processos um pouco menos complexos e variados, mas não gostam de trabalhar com o julgamento em lote de processos similares. Para outros, o desafio está em julgar em quantidade lotes de processos idênticos ou similares, preferencialmente simples, para que a produção alcançada seja a maior possível.

Alguns investem pesadamente em sua formação e qualificação, estudam o tempo todo, acompanham a jurisprudência, conhecem profundamente o direito e a legislação do tributo que escolheram para trabalhar, especialmente aqueles que têm o perfil de julgar processos de alta complexidade. Outros conhecem tecnicidades e sabem como ninguém onde exatamente buscar informações nos inúmeros sistemas da Receita Federal. Outros são bastante produtivos julgando processos em lote.

Esses diferentes perfis coexistem nas Delegacias de Julgamento e são úteis para lidar com as diversas situações que compõe o estoque de processos.

Ao pretender colocar na mesma métrica quantitativa os diferentes perfis de julgadores e controlar individualmente a produtividade, a Administração comete um erro de avaliação que tem como consequência um resultado inverso àquele almejado – em lugar de motivar alguns julgadores a produzir mais, desmotiva todos.

Quem tem o perfil de julgar lotes conseguirá atingir o índice se tiver processos em lote para trabalhar. Se não tiver, não conseguirá e ficará pressionado. Quem trabalha com processos complexos ficará pressionado o tempo todo e terá que pegar processos mais simples para inteirar o quantitativo e ficará desmotivado. Não mais investirá energia em estudo, em formação acadêmica. Perderá sua principal motivação de trabalho, aquilo que lhe dá satisfação, para ficar perseguindo mensalmente um índice que o iguala àquele que não estuda.

Aqueles que trabalham muito, que produzem muito, que se dedicam à instituição, são penalizados pela mesma métrica aplicada àquele que não trabalha, não se dedica e faz o mínimo, apequenando o trabalho intelectual, o esforço de estudo e o aprimoramento.

Tudo começou com a decisão da administração de quantificar a complexidade dos processos para parametrizar critérios de distribuição. A idéia resultou em um índice que grosseiramente atribui uma carga de horas trabalhadas para cada processo usando uma metodologia que leva em consideração as horas estimadas para o julgamento de cada processo, horas essas baseadas em critérios objetivos, tais como a matéria objeto da autuação, o valor e o período do lançamento, a quantidade de folhas da impugnação e do processo.

Para o propósito de balizar a distribuição entre as Delegacias de Julgamento, não há ressalvas. Mas os gestores enxergaram nisto a oportunidade de quantificar com critérios objetivos o trabalho dos julgadores. Tomaram uma metodologia de aferição adequada somente para gerenciar estoques, para mensurar a produtividade mensal do trabalho individual de um julgador.

A métrica nivela uma maioria de pessoas dedicadas, de alta capacidade, com uma minoria que não se aplica com o mesmo afinco ao trabalho, tratando com igualdade os desiguais. Ou seja, nivela por baixo pessoas com características individuais diferentes, colocando todas no mesmo índice. Tratar com igualdade os desiguais equivale ao seu reverso - tratar com desigualdade os iguais, o que invariavelmente provoca o desequilíbrio entre todos. O resultado foi e tem sido uma brutal desmotivação dos julgadores. E servidores desmotivados produzem menos e pior. O resultado é uma espiral descendente de mediocrização do julgamento.

A natureza da atividade de julgamento, eminentemente intelectual, é incompatível com a determinação de metas individualizadas a partir de elementos objetivos. Seria o equivalente a querer medir o tempo para resolver um problema de Matemática em função do número de linhas de texto de sua proposição. A confirmação da veracidade do Teorema de Fermat, por exemplo, é proposta em uma simples linha de texto e demandou o esforço concentrado de todos os grandes matemáticos da Humanidade por mais de 300 anos.

SOLUÇÃO

A meta de produtividade deve ser coletiva, por Delegacia. A métrica deve funcionar como parâmetro apenas para gerenciar o estoque e parametrizar a distribuição da carga de processos entre as Delegacias de Julgamento. Toda forma de quantificar o trabalho intelectual individual deve ser abolida.

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Até cerca de 10 anos atrás as Delegacias de Julgamento da Receita Federal trabalhavam com metas coletivas de julgamento. A capacitação e o contínuo aprimoramento eram valorizados. As pessoas que se dedicavam ao estudo e ao trabalho de qualidade eram modelos de referência importantes para os colegas.

Não havia prejuízo à produtividade, porque os diferentes perfis individuais eram respeitados. Cada qual dava sua parcela de contribuição, na medida de seus talentos individuais e de sua motivação pessoal. Alguns se dedicavam a resolver os processos de alta complexidade, outros os processos variados de média e baixa complexidade e outros, os processos em lote. Todos os processos eram assim resolvidos e a produtividade era alta. Diferentes perfis de julgadores trabalhavam com motivação e no seu perfil de melhor produtividade. Toda a instituição saia ganhando. A referência era a qualidade, sem prejuízo da quantidade. Essa experiência bem sucedida deve ser retomada.

A administração deve abolir a determinação de metas individualizadas a partir de elementos objetivos e trabalhar com metas coletivas, por DRJ. Voltar a uma forma de atuação positiva com planejamento e execução de ações de capacitação, motivação e valorização dos servidores, inserção de ferramentas de trabalho adequadas, remodelagem de processos e macroprocessos observando a cadeia de valor completa, melhor qualidade na preparação dos processos, adaptação entre os processos de trabalho e o perfil dos julgadores.

O resultado será um diferencial importante que balizará a qualidade do julgamento em primeira e segunda instância no contencioso fiscal e eventualmente a percepção do juiz na esfera judicial; será o motor da implantação de uma dinâmica evolutiva dos atos normativos da Receita Federal nos termos conceituados anteriormente e evitará prejuízos bilionários aos cofres públicos.

Essas são as linhas conceituais da proposta que ora submeto aos nobres colegas.

Luis Orlando Rotelli Rezende
Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil
DRJ/Ribeirão Preto, SP
Gerente do Projeto “Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais”




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