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MANIFESTO CONTRA "LEI DA MORDAÇA"

Para: Poder Judiciário de Alagoas

A VERDADE COMO PRINCÍPIO DA CIÊNCIA AMEAÇADA: MANIFESTO DE PROFESSORES E ESTUDANTES SOBRE A “LEI ESCOLA LIVRE”

O presente documento procura refletir sobre os atuais impasses a respeito do conhecimento histórico-escolar promovidos pela “Lei Escola Livre” atualmente aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Alagoas. Nossa intenção é de trazer luz às discussões levantadas pelo documento, que parte de pressupostos considerados equivocados do ponto de vista da ciência histórica e das políticas públicas nacionais que regem a escola pública nas suas formas e concepções sobre o conhecimento escolar. Queremos, com ele, demonstrar que a visão dos proponentes e das forças políticas que formularam a Lei incidem em uma perspectiva que se diz em “busca da liberdade”, mas que, na sua práxis política e social, são um atentado à “utopia” proposta, consolidando um ambiente de jurisprudência persecutório que afeta diretamente a produção do conhecimento, uma vez que busca oficializar arbitrariamente determinado tipo de método e de construção do conhecimento histórico.

Somado a oficialidade e a perseguição, reverberadas em torno da “luta contra a contaminação ideológica”[1], o que quer a “liberdade” das forças políticas conservadoras que propuseram e apoiaram o documento é justamente tolher a liberdade, além de desconhecer – ou fazer-se de desconhecidos – toda a discussão do campo científico que formula teses e pressupostos a partir de debates e exaustivas discussões entre professores sobre o saber escolar.

A nossa tese tem como objetivo demonstrar que, na realidade, a “liberdade” foi utilizada como substantivo ideológico – aqui entendido como visão que falseia a realidade – para gerar uma posição oficial. Queremos alertar a sociedade alagoana e brasileira para as consequências desta lei, utilizando do debate intelectual como princípio regente da sociedade democrática. Nesse sentido, nosso caminho para desvelar as inverdades proferidas pelos autores do projeto de Lei irão partir de alguns pressupostos temáticos, que são: 1) analisar a questão dos Direitos Humanos como princípio de análise da História como processo e discutir os índices de escolaridade do estado de Alagoas, procurando demonstrar que, ao se fazer isso e apontando a necessidade desta questão ser fundamental para a construção do conhecimento em sala de aula; 2) é necessário, por fim, debater sobre o conceito de neutralidade e a imposição do método oficial de análise histórica a partir desta Lei.

Os Direitos Humanos no estado de Alagoas

Segundo o relatório prévio do Plano Municipal Escolar de Maceió (PME), o analfabetismo absoluto atinge diretamente 80.000 alagoanos. Dessa alta amostragem, detecta-se que cerca de 60% são mulheres. Esses números também demonstram uma condição estrutural, pois representam 30% da população. Somado a esse fato, os índices de violência de gênero determinam a gravidade da situação: 70% dos casos de homicídio ocorrem em ambiente doméstico, contra as mulheres.

Afinal, o que quer dizer esses números? Como deve se posicionar o professor diante deste quadro?
Os parlamentares e seus correligionários conservadores quiseram, a partir do projeto de lei, censurar a possibilidade de discussão e problematização sobre o lugar da mulher no estado, dizendo que, ao refletir sobre esse tema, estaríamos consolidando certa “ideologia de gênero” nas escolas.

Impossibilitou-se refletir sobre as relações familiares no ambiente escolar, permitindo que tal instituição pudesse oferecer uma visão crítica sobre o atual quadro. Afinal, de que maneira se consolida as relações de gênero? Discutir os conflitos e a estrutura de patriarcado na sociedade é um elemento pura e simples de “contaminação ideológica”? Ou, podemos encarar o debate como um elemento que parte da realidade social da maioria dos alunos e, que, portanto, como princípio e partindo do conhecimento dos alunos, é necessário realizar esse debate em sala de aula, no sentido de informar e educá-los, procurando induzir elementos culturais e reflexivos que busquem combater os preocupantes índices?

A Lei procura justamente castrar a análise social da realidade de Alagoas. A escola perde seu vigor histórico, na qual sua concepção vai, enquanto instituição pública, muito além que “instruir” seus jovens a partir de um “conhecimento”. Percebe-se que a visão dos conservadores a respeito do conhecimento é falha e precária, uma vez que trata o saber como “algo dado”, e não como um elemento socialmente construído. E, por ser socialmente construído, necessita da reflexão, afinal, a própria realidade exige uma problematização para a superação de desigualdades sociais.
A escola pública também perde seu potencial investigativo sobre a realidade local, na medida em que a censura sobre as discussões de gênero passa a assumir uma conotação jurídica. Qualquer questão que se leve em consideração a construção de uma narrativa sobre a conquista de direitos das mulheres ao longo da história e da liberdade sexual como um todo, passa a ser tratada como algo desimportante. Aliás, tratam tal discussão como algo que não deve ser objeto da escola, demonstrando um claro despreparo conceitual e prático sobre o papel desta na sociedade. É triste saber que o professor de história não poderá mais realizar uma análise de processo sobre as desigualdades sociais, analisando a evolução histórica da conquista de Direitos. Caso contrário, pode ser enquadrado como “doutrinador” ou um “ideólogo” qualquer.

A história no ensino básico sempre deve partir de pressupostos que articulem passado e presente. Afinal de contas, como consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais, seu objetivo perpassa não somente “instruir sobre determinado conteúdo”, como também incidir sobre valores ético-normativos, procurando consolidar a “construção de identidades e da cidadania”. Tais pressupostos possuem uma conotação temporal, onde é necessário analisá-los a partir da noção de processo. Dessa maneira, a criatividade do professor ao gerar correlações e comparações entre as diferentes dimensões temporais a partir de sua linguagem e interlocução com os alunos, corre sério risco de ser afetada, uma vez que a subjetividade a respeito de suas visões de mundo sobre o tempo presente serão controladas judicialmente.

A “ousadia” que se exige de uma escola e de professores em pleno terceiro milênio, num contexto social de evidente subdesenvolvimento nacional e local, percebemos um movimento reacionário e anti-progressista, onde a produção do conhecimento passa a ser tratada vulgarmente como um elemento de “doutrina”. O professor, ao que parece, na opinião dos formuladores da Lei, assume a mesma posição intelectual que de religiosos e militares de alta patente, criando uma fábula caricatural a respeito da produção do seu conhecimento em sala de aula. Apresenta-se aqui um óbvio retrocesso na conquista de direitos do regime democrático, onde professores e o povo brasileiro em sua grande maioria combateram a ditadura e formularam uma nova concepção de escola, na qual a censura seria extirpada do seu ambiente.

Percebe-se que esses conservadores – em sua larga parcela apoiadores públicos da por eles autoproclamada “Revolução de 1964” – querem buscar na experiência histórica do retrocesso e do aprofundamento das desigualdades, a partir da ordem tirânica instituída por 21 anos no Brasil, a “redenção” para a solução dos problemas sociais, pautada em uma moralidade misógina e machista, envernizada de “tolerante” e “libertária”. Além disso, procuram oficializar um tipo de método de investigação histórica e de produção do conhecimento, fazendo apologia a certa “neutralidade”, segunda questão a ser desmascarada nesse documento.

2. Sobre o conceito de neutralidade: a metodologia oficial, o retorno à censura e a imposição de um caminho para a busca da verdade.

O que significa ser “neutro” com relação ao conhecimento histórico? Qual é a sua visão sobre “verdade histórica”? Quais são os sentidos de orientação prática no tempo que a perspectiva da neutralidade impõe para professores e alunos no ensino? De que maneira elas consolidam a visão de pensamento único, pautadas em uma metodologia e uma perspectiva teórica determinista e intolerante?

Atualmente, existe um campo intelectual na área de ensino que busca refletir sobre novas formas de interação da educação histórica que transcendem o ambiente escolar. Tal perspectiva busca compreender o ensinar história como uma maneira de dar sentido as carências e orientações no tempo. Nesse sentido, inaugura-se uma reflexão sobre a consciência histórica, sendo um objeto inerente da própria didática.

A ideia de consciência histórica procura articular as relações de sentido e orientação prática que condicionam as formas e funções do conhecimento histórico em sua totalidade, procurando perceber de que maneira as redes sociais, as mídias e o saber historiográfico – seja ele escolar ou acadêmico – constituem múltiplas formas de sentido temporal. Nesse sentido, a narrativa passa a ser objeto de estudo do historiador e a consciência histórica um objeto de estudo da didática de história.
O principal formulador desta tese – o professor alemão Jorn Rusen – indica que o conhecimento histórico não diz respeito a uma visão sobre o passado, mas considera que o tempo é objeto de estudo do historiador, no qual as diferentes dimensões temporais – passado, presente e futuro – se articulam e formulam um sentido humano de orientação. A partir desta perspectiva, a história é encarada como fenômeno social, específico da espécie humana, que tem no ato de narrar a sua condição existencial de análise sobre a realidade. É o ato de narrar que produz a cultura e, portanto, uma relação intersubjetiva na construção de um conhecimento que possui métodos e perspectivas científico-objetivas, a saber, a ciência histórica [2].

Por enquanto cabe-nos questionar: se passado, presente e futuro são dimensões temporais articuladas, de que maneira tal visão contribui para a construção do ensino de história, pensando-a na perspectiva dos professores, alunos e sociedade em geral?

A primeira delas é que a História é um fenômeno social, onde não existe um conhecimento a ser depositado. Se todos construímos, a partir de condicionamentos sociais, perspectivas de orientação prática no tempo, quer dizer que o conhecimento histórico-científico é um processo em construção permanente, onde o olhar do historiador sobre o passado se insere diretamente nas suas relações sociais do presente e, consequentemente, dos sentidos que este procura construir na sociedade. Portanto, a construção do conhecimento histórico impossibilita uma visão de cunho positivista, na qual é possível anular as perspectivas temporais de orientação prática do professor, buscando um conhecimento onde se vê o “passado tal qual ele é” [3].

É a dinâmica complexa entre o saber científico e as transformações sociais que determinam a maneira como o professor se posiciona sobre as análises dos processos temporais. E, se ela é uma construção objetiva e que, contraditoriamente, está em permanente transformação, isso significa que cabe ao historiador ter liberdade para inferir sobre questões a respeito do passado antes não feitas. Não há portanto, conhecimentos estanques, onde versões sobre a realidade se chocam entre diferentes interpretações sobre o passado, como que se fosse função social do historiador ser um “árbitro” sobre os elementos “positivos” e “negativos” elencados a partir das dis- políticas do tempo presente, incorrendo na possível heresia do anacronismo – conforme aponta Marc Bloch – na construção da ciência dos homens no tempo. Trata-se de colocar valores morais e éticos do tempo presente para interpretar uma dimensão temporal que não necessariamente conviveu com os pressupostos e os elementos sociais de tempos anteriores.

A lei aprovada assume uma posição, mesmo inconsciente, mas já contestada em trabalhos do campo científico e, de certa maneira, superadas, uma vez que, ao invés de trazerem uma perspectiva de construção libertária, aprisionam o conhecimento histórico como “mera interpretação” sobre os acontecimentos do passado, no qual este está seriamente subordinado às “ideologias” e dis- do tempo presente. Se a História ainda é uma disciplina que possui pressupostos científicos, consolidados a partir de um rigor metodológico e pelo princípio da busca pela verdade, ela está ameaçada socialmente no estado de Alagoas. Basta apresentar “diferentes versões” sobre determinado acontecimento, mesmo que ele já tenha sido superado a partir de análises sobre o real.

Percebe-se que os conservadores se alimentam das discussões “libertárias” dos pós-modernos, que por anos quiseram transformar a História e o ofício do historiador, seja na universidade ou na sala de aula, mera “interpretação literária”, uma vez que todos nós estamos “contaminados” por ideologias. As pesquisas e a tentativa de análise sobre o real feitas pela academia e pelo cotidiano do professor no ensino básico, procurando dar sentido de orientação temporal para seus alunos, torna-se mero devaneio ficcional, mesmo que esta não seja a intenção inicial dos formuladores desse projeto de Lei.
Afinal, o que querem consciente ou inconscientemente os formuladores desta lei?

Conforme apontado pelo professor Vladimir Safatle, o Brasil ainda convive com uma “fenda” na sua memória histórica [4]. Ela diz respeito a história recente da Nova República, inaugurada com o fim da ditadura civil-militar de 1964. As interpretações sobre o sombrio passado de torturas e de um regime de estado considerado terrorista, pautados em um “milagre econômico” associado à repressão e ao tolhimento de liberdades, possui seus simpatizantes, ligados diretamente aos grandes meios de comunicação, a parlamentares que se enriqueceram e financiaram a ditadura, além de militares conservadores que instituíram o golpe e hoje são representados no Congresso Nacional.

Cabe lembrar aqui que os militares de direita, chamados à época de “americanófilos” tomaram como primeira medida o expurgo de oficiais e militares de baixa patente que defendiam a constituição democrática – citamos aqui o Marechal Lott, Ladário Pereira Teles (Comandante do IIIº Exército em 1964 ), dentre tantos outros que, a partir do Ato Institucional número 1, perderam a sua profissão, sendo aposentados compulsoriamente ou até mesmo perseguidos por possuírem posições políticas não alinhadas com o Departamento de Estado norte-americano e a CIA. Hoje a verdade histórica vem à tona para demonstrar que o setor vitorioso dos militares se articulou com políticos que possuíam interesses exógenos a questão nacional, subordinados à reprodução da hegemonia estadunidense no continente [5].

O que tais conservadores desejam é diluir o conteúdo reacionário e autoritário do “governo militar”. Buscam falsear a realidade com sua versão, onde colocam guerrilheiros e determinada esquerda radical como “figuras terroristas”, na qual havia no seu interior “justiçamentos” e práticas de execução dos seus próprios companheiros. Nesse sentido, as guerrilhas urbanas e rurais não são vistas como elementos de resistência ao terrorismo de estado, e sim como um terrorismo, procurando colocar “em pé de igualdade” as assimétricas relações de força entre tais grupos políticos. Os conservadores se aproveitam da fenda para estereotipar o movimento das esquerdas durante a ditadura civil-militar, uma vez que sequer falam da ilegalidade seletiva dos partidos considerados “comunistas” e “aliados da Revolução Cubana e da União Soviética”. Mais uma vez são caricatos e se esquecem que a tortura se iniciou antes mesmo do aparecimento das vanguardas armadas. Exemplo clássico é o linchamento promovido em praça pública na cidade de Recife com Gregório Bezerra, uma liderança camponesa ligada ao Partido Comunista da época. Não somente dele, mas de líderes camponeses da Galiléia que defendiam a democratização da terra no interior do Pernambuco foram duramente perseguidos, tendo que se esconder em outras cidades do interior para sobrevivem, como é o caso de Elisabeth Teixeira.

A diluição interpretativa sobre os acontecimentos recentes de determinado momento histórico servem para mostrar uma versão que justifique a ditadura militar. Para eles, não cabe a discussão sobre tal momento histórico a partir dos estudos históricos, dos trabalhos feitos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão da Verdade. Tudo isso é uma das interpretações, na visão deles “esquerdopata” sobre o que foi a tirania do terrorismo de estado. Nesse sentido, cabe apresentar uma história que análise os “fatos positivos” e “negativos” destes acontecimentos, a partir de versões que sequer possuem embasamento ou são compartilhadas pela comunidade científica dos historiadores. Tudo em nome de uma pretensa neutralidade que busque justificar no tempo presente as razões reacionárias da ditadura, caminhando num sentido contrário, portanto, a busca pela liberdade de expressão, da consolidação e da evolução do Estado Democrático de Direito. Ou até mesmo da possibilidade do historiador repensar tal Estado e suas formas a partir de estudos e indagações. Mas para eles isso é desimportante, afinal cabe ao professor “instruir”. E dar instruções, nesse sentido, possui unilateralidade, pois não cabe ao professor produzir questões e incitar dúvidas. Algo que é uma afronta ao conhecimento histórico, pautado na desnaturalização de práticas sociais e no enxergar a sociedade como um processo de complexas dis- políticas e mudanças temporais.

O exemplo da neutralidade a respeito do conhecimento histórico contemporâneo é um dos aspectos graves de como tal perspectiva – relativista e presentista – procura alimentar uma falsa polêmica, como se todos os professores estivessem ligados ao “petismo” e precisassem se desintoxicar de suas “contaminações ideológicas”. Do ponto de vista discursivo, suas ideias remontam um passado histórico higienista, semelhante aquele proposto pelo macarthismo estadunidense e que se tornou uma “doutrina” dos porões da ditadura militar. Cabe ao estado um papel de não inclusão, e sim de perseguição a possíveis “doutrinadores ideológicos” espalhados em toda a sociedade civil. Os intelectuais – os professores – devem, portanto, passar a assumir determinadas regras metodológicas oficiais, algo que, do ponto de vista das políticas curriculares nacionais e da Constituição Brasileira, é uma afronta direta aos seus direitos como educadores. Não só a eles, mas também aos alunos, que, em nome de uma pretensa igualdade de versões, deveriam assumir como legítima uma narrativa histórica que se fortaleceu por anos a partir de práticas desumanas e inclusive se utilizou da queima de arquivos para mascarar este passado [6].

A perspectiva da neutralidade caminha para o emagrecimento do conhecimento histórico enquanto saber científico. Ele impossibilita inclusive a indagação, uma vez que já existem versões históricas pré-determinadas que devem ser “passadas” em sala de aula. Além de não compreenderem o conhecimento histórico como algo a ser permanentemente discutido em sala de aula, na qual a posição do professor é fundamental, pois são suas indagações que legitimam a revisão de determinadas visões sobre o passado.

3. Conclusões: a verdade histórica como princípio ético do professor.

Ora, e qual é a importância da pergunta e da liberdade de questionamento para o conhecimento? É perceber que o processo de análise sobre a realidade não possui uma verdade estanque e absoluta. Ele é fruto das complexas relações de força existentes na sociedade. Dessa maneira, o professor, em interlocução com os alunos permite rever posições e trabalhar o conhecimento a partir da liberdade de escolha. Os conservadores se esquecem que a produção da verdade histórica também perpassa pela análise das opiniões dos alunos. O que se percebe, pelo contrário, é que a posição conservadora não quer que os alunos dialoguem com os professores. Partem do pressuposto de que os professores assumem posições verticais e autoritárias com relação aos seus alunos. Na realidade o que se percebe na prática docente é o contrário, uma vez que tanto as políticas públicas quanto sua prática real em sala de aula não procuram estrangular opiniões dissidentes ou muitas vezes discordantes. Ao invés de se entender a sala de aula como um espaço importante de ensino-aprendizagem onde existem conflitos que podem auxiliar na construção de “tensões criativas”, trata-se uma possível polaridade como algo a não ser situado dentro destas relações. O que se quer do historiador por parte destes conservadores é um método que os leva a trabalhar seu conhecimento como uma “matemática social”.

A gravidade de tal lei incide no fato de situar a verdade histórica como mera opção ideológica, onde o professor é criminalizado por assumir posições que se enquadrem dentro das suas noções éticas de “busca pela verdade”. Dessa maneira, perde-se o sentido do questionamento e da contextualização temporal, uma vez que existem não uma, mas “verdades absolutas” estanques, passíveis somente de uma interpretação e, portanto, não condizentes com o trabalho ético-científico do historiador. O professor de história é visto como um maquiavélico manipulador de opiniões, onde suas visões de mundo já são tratadas como antagônicas às visões dos alunos [7].
Mais uma vez, a Lei proposta peca na sua relação com o mundo real. Ao invés de se encarar a busca pela verdade histórica como uma complexa relação, basta encarar o professor como um “ideólogo” qualquer. Quando na verdade, a partir de pesquisas da área de ensino, percebe-se queos professores de história não se identifica diretamente com uma “ideologia esquerdista”, conforme apontam os estudos da professora Caroline Pacievitch [8]. A construção das suas identidades se dá nas relações entre o aprendizado histórico superior e os condicionamentos sociais, suas relações familiares, etc., o que não necessariamente significa assumir uma clara posição política.
Nesse sentido, a patrulha ideológica não possui motivos objetivos. Quanto àqueles que encaram o conhecimento histórico também como uma possibilidade de refletir nossa sociedade e o que devemos ser no futuro, não há desprestígio intelectual no que diz respeito às suas formulações, pois assumem posições que podem também levar ao conhecimento crítico, ao questionamento das desigualdades sociais vistas a olho nu na sociedade brasileira.

Se não cabe mais ao professor a liberdade de escolha, qual é a função do seu trabalho? Se a ele cabe “instruir”, quão precária se torna sua posição de mediação do conhecimento científico e eleger, em diálogo permanente com os alunos, quais são as interpretações mais relevantes sobre o passado? O professor não pode mais educar para consolidar instrumentos de cidadania, problematizando valores éticos e morais a partir da perspectiva colocada pelos autores da Lei. Ao professor-historiador não cabe mais sequer o questionamento das narrativas. Basta assumi-las como “versões oficiais” e passa-las mecanicamente para seus alunos. O professor assume uma posição de mero reprodutor, e não como mediador do processo ativo de construção social do conhecimento.
A lei aprovada caminha, portanto, num sentido oposto à evolução do pensamento histórico e das pesquisas realizadas por seu campo científico. Não somente isso, mas impede que o espaço escolar seja uma importante arena de produção do conhecimento, podendo, inclusive, questionar e gerar releituras sobre o saber historiográfico pensado “pelo alto” nas universidades. O professor do ensino básico perde seus direitos de assumir como princípio a sua verdade histórica, tendo que se afugentar em um método tradicional e oficial que busca mascarar as dis- pelo sentido da narrativa histórica nos tempos atuais.

O que queremos mostrar nesse manifesto é que a busca pela verdade histórica é sempre relativa ao tempo em que vivemos. Isso não quer dizer que as regras metodológicas e as narrativas históricas ensinadas nos ambientes das escolas públicas estão indispensavelmente afetadas pelo “lugar social” que ocupa o professor. Pelo contrário, quando ele se posiciona, permite o aluno a fazer escolhas e, inclusive, buscar questionar os alunos sem que para isso seja necessário se esconder em uma pretensa neutralidade.

Se o historiador passa anos estudando em escolas superiores, seu diploma e, portanto, as metodologias e fundamentos teóricos da ciência histórica, não podem partir de uma “visão idealista”, onde tudo que se aprende na faculdade é mera opinião ou versão sobre determinado fato . Aliás, trata-se de outra caricatura, ao ver todo professor universitário das ciências sociais como um defensor do petismo e do comunismo, como são constantemente acusados e encaixotados por quem não acompanha o trabalho acadêmico-intelectual. Nesse sentido, a acusação proferida pelos parlamentares e os formuladores da Lei não só assume um desserviço, como também maquia com uma coloração “avermelhada” e “comunista” num espaço institucional que possui suas contradições e é uma arena de conflitos e dis- sobre as interpretações historiográficas mais relevantes. Na prática, a visão destes formuladores perpassa por um grave ferimento a um dos mais elementares princípios científicos: a honestidade intelectual.

REFERÊNCIAS

[1] Os proponentes da Lei seguem as diretrizes do movimento político “Escola Sem Partido”. Em seu site podemos encontrar seus objetivos e suas “denúncias” contra a “contaminação ideológica nas escolas”.

[2] Sobre os trabalhos de Jorn Rusen, indicamos : RUSEN, Jorn. Aprendizagem histórica: fundamentos e paradigmas.Curitiba: W.A Editores, 2012; RUSEN, Jorn. Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001; Historiografia comparativa intercultural. In: MALERBA, J. A História Escrita – teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2008, pp.115-138. Citamos aqui também os trabalhos do professor Luis Fernando Cerri como referência sobre a questão da consciência histórica, principalmente em: CERRI, L.F. Ensino de história e consciência histórica- implicações didáticas de uma discussão contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.

[3] SCHAFF, ADAM.História e Verdade. São Paulo: Martins Fontes. 6ªed, 1995.

[4]http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2016/03/1753928-um-golpe-e-nada-mais.shtml

[5] Devido às novas possibilidades documentais a partir das ferramentas audiovisuais, novas narrativas sobre o período de 1964 puderam ser refeitas. Indicamos, para entender esse período o o documentário “Militares da democracia”, de Silvio Tendler. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6hD8JIHbu3w.

[6] Quando falamos em “queima de arquivo” não nos referimos somente ao “passado morto” dos documentos, como também de pessoas vivas que trazem consigo importantes informações sobre o período e, repentinamente, foram encontradas mortas, justo no contexto de discussões da Comissão da Verdade. Ver notícia em: http://www.brasilpost.com.br/2014/04/25/paulo-malhaes-morto_n_5213907.html.

[7] Cabe ressaltar também que os alunos que se dispõem a participar de discussões políticas dentro das escolas a partir do movimento estudantil são vistos, na opinião dos formuladores da Lei, como “brinquedinhos de partidos”. Ver em: http://www.escolasempartido.org/movimento-estudantil .

[8] Segue o link da dissertação da professora Caroline Pacievitch: http://www.bicen-tede.uepg.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=80





Assinam este Manifesto:

José Vieira - Vice-Reitor - UFAL
Coordenação do Curso de Historia da UFAL (Maceió)
Coordenação do Curso de Historia da UFAL (Delmiro Gouveia)
Programa de Pós Graduação em História (UFAL)
Programa de Pós Graduação em História (UEPG)
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Filosofia UFAL (Maceió)
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - História UFAL (Delmiro)
Grupo de História Social e Política - UFAL
Centro Acadêmico de História da UFAL (Maceió)
Centro Acadêmico de Direito Pontes de Miranda - UNEAL
Centro Acadêmico de História da UFAL (Delmiro Gouveia)
Centro Acadêmico de História Potiguaçu - UFRN
Centro Acadêmico de História da UNIFESP
SindPetro/AL
SindPrev/AL
Coletivo Veredas
Coletivo Agogô - Maceió (AL)
Coletivo Antiproibicionista de Alagoas
Coletivo Macambira - Palmeira dos Índios (AL)
Coletivo Primavera Socialista
Coletivo Mais - Serviço Social - UFAL
Coletivo Afro Caeté (AL)
Grupo Abí Axé Egbé - Delmiro Gouveia (AL)
Grupo de Estudos Feministas Dandara - UNEAL
Grupo Cultural Identidade Alagoana
Associació D'estudis Feministes, de Gènere i Sexualitats - Valência (Espanha)
Marcha da Maconha de Alagoas
Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Pescadoras de Alagoas
Comissão Pastoral da Terra (CPT/AL)
DCE - UFAL
Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (ANEL-AL)
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES)
Espaço Socialista
Brigadas Populares
Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT)
Juventude do Partido dos Trabalhadores
Unidade Popular Pelo Socialismo - AL
União da Juventude Rebelião - AL
União Secundaristas dos Estudantes de Alagoas (USEA)
Cardoso Advocacia - Embú (SP)
Adauto Moura - Estudantes de Ciências Sociais - UEVA - Sobral-CE
Ana Carolina Correia Cordeiro -Bacharel em Direito (AL)
André Luan Nunes Macedo (História-UFAL)
Artur Bispo (Filosofia - UFAL)
Beatriz Gallotti Mamigonian - (História - UFSC)
Camila Bandeira - Estudante de História (CE)
Carlos Henrique Latuff de Sousa - Chargista (RJ)
Cecil Vinicius Olivar Oliveira - Históris UFRN
Cintia Paiva - Educadora (AL)
Danilo Luiz Marques - Doutorando PUC-SP
Dayse Cristina Silva Porciuncula - Estudante de enfermagem (AL)
Desa - Cantora (AL)
Eduarda Rocha Góis da Silva - Doutoranda Letras/ufal
Fabiana Conceição - Estudante de Filosofia (AL)
Fernanda Telles Meimes - Estudante de História Ufal/Sertão
Irinéia Maria Franco dos Santos (História-UFAL)
Joelle Malta e Silva - Atriz e Professora de Artes (AL)
José Ferreira Azevedo - (professor aposentado do curso de História - UFAL)
Júlia Araújo Mendes - Bolsista Capes e Doutoranda em Estudos de Gênero pela Universidade de Valência (Espanha)
Juliana Maria - Estudante de Direito (AL)
Juliana da Silva Alves de Sena - Teatro-Licenciatura (AL)
Juliana Rocha - Turismóloga (AL)
Juliana Thuinny - Estudante de Publicidade e Propaganda (AL)
Kaio Barbosa Laurentino - Estudante de Ciências e Humanidades - UFABC
Laryssa Emanuelle Sarmento Vilela - Mãe
Layla Vilela - Arquiteta e Urbanista (AL)
Leilane Morais - Estudante de Arquitetura e Urbanismo (AL)
Luka Tunã Nascimento Cruz Pereira - Estudante de História da UFF
Márcio Cardoso da Silva - Funcionário do Banco do Brasil (SP)
Marina Gomes Barreto - Operadora de telemarketing (PE)
Natalia Freitas - Professora História - IFAL
Negra Cin - Intérprete (AL)
Pedro Jorge Pércia - Estudante de Medicina - UFAL
Priscila Ferraz Lima- Estudante de Psicologia (AL)
Priscila Laiz - Estudante de Filosofia e Bolsista PIBID - UFAL (Maceió)
Raissa Lorena Bandeira Landim - Cirurgiã-Dentista (AL)
Rafaella Caminha, Estudante de Filosofia e Membro do PIBID - UFAL (Maceió)
Rayane Farias - Estudante Serviço Social UFAL
Rayssa da Silva Martins - Estudante Design - UFPE
Sergio Lessa (Filosofia - UFAL)
Sílvio Ricardo Gouveia Cadena - Estudante de História - UFRPE
Vandira Eugênio - Turismóloga / Artesã (AL)
Vanessa Lima - Arquiteta e Urbanista (AL
Virginio Gouveia - Professor de Filosofia (AL)
Yasmin Alcantra Galvão Pereira - Estudante de Filosofia - UFAL
Sandra Catarina de Sena - estudante de História - UFAL
Ana Paula Palamartchuk (História - UFAL)
Virgínia Fontes historiadora - UFF e FIOCRUZ - RJ.







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