Para frente, querida!
Para: Presidenta Dilma Vana Rousseff
Dilma, coração valente, força brasileira, garra desta gente, apresento-me diante de vossa senhoria como porta-voz de um contingente colossal de companheiros que militam pela realização do projeto de um país justo, democrático, igualitário e, acima de tudo, humanitário. A jornada é antiga, sabemos, passando por Sócrates, Jesus Cristo, Joana Darc, Zumbi dos Palmares, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff, dentre inúmeros outros, tendo seus nomes registrados em um livro de história ou não. Mas daí, embora a ciclicidade dos eventos, nos encontramos em um ponto inédito em seu conteúdo: de um lado, Temer; do outro, Ceder. Vejamos: o presidente golpista interino caminha, mesmo que de forma deplorável, pelo caminho das sombras e da progressiva exclusão social. Mas não o faz sozinho, embora isolado. Ele leva consigo todo o país, os poucos e intensos anos de democracia e toda a luta pela redemocratização. É o desmonte de um projeto social. É o desmonte de um projeto pela vida coletiva em seu mais alto grau de plenitude. Assim, temendo a perpetuação da espécie antidemocrática no controle do governo, vários companheiros têm defendido com entusiasmo a ideia de eleições gerais como uma saída para o golpe e uma grande oportunidade para um novo recomeço. E então nos encontramos em um ponto superficialmente simples e profundamente complicado e perigoso.
Dilma, coração valente, nada nos segura pra seguir em frente. Temos pensado, refletido, debatido e sofrido bastante, e chegamos à conclusão de que o terceiro caminho é o mais correto, o mais seguro, o mais interessante e o mais significante. Não escolhemos o caminho do meio, escolhemos seguir em frente! Sabemos que os regimes totalitários costumam, via de regra, emergir nos momentos em que as civilizações passam por crises, forjadas ou não. Hoje, no Brasil, temos um contexto de ódio inflado, embora velado, de uma desesperança geral e de um sentimento da necessidade de renovação, a receita perfeita para a reascenção do fascismo. Não nos deixemos enganar: quando a voz do senso comum fala em "tirar todos e começar tudo de novo", ela se refere à busca por heróis nacionais, momento perverso em que podemos eleger inúmeros Bolsonaros da vida. Seria um desastre total, uma tragédia.
Mulher de mãos limpas, mulher de mãos livres, mulher de mãos firmes, mulher que tem uma trajetória espetacular de enfrentamento à ditadura e agora ao congresso golpista, não é hora de ceder, não é hora de conciliar, não é hora de botar a perder. Embora pareça o contrário, enfrentar o processo de impedimento até o fim é o álibi de que precisa. As pessoas se apaixonam por quem tem coragem, razão e pureza, e esse é o seu caso, por mais que os ratos tentem distorcer os fatos. E o contrário também é verdadeiro: convocar plebiscito e, consequentemente, eleições, gerais ou não, seria o mesmo que confirmar que teme (sabemos que o medo é em relação à perseguição política, mas a população exige determinadas condições de enfrentamento para acreditar nisso). Embora exista a possibilidade de fazê-lo mesmo depois do fim do processo, nada acaba aí. Você precisa voltar e governar até o fim do mandato. Nosso sonho em 2014 era a famigerada guinada para a esquerda de sua parte. Não aconteceu. Entendemos, pois ainda havia a esperança de que pudesse manter os cães afastados, ao menos parcialmente, negociando ministérios e conciliando como pudesse. De fato duvidamos de que eles iriam tão longe, porém foram. Mas agora o que está em jogo é totalmente diferente: o calor da militância é mantido somente com a asseguração da dignidade. Temos que ter uma motivação ideológica e pragmática, temos que confiar que quando voltar constituirá um ministério íntegro e voltado para os interesses fundamentalmente sociais. Chega de agradar a todo custo à burguesia! Falo de alguém do porte de João Pedro Stedille como Ministro da Agricultura, alguém que tem a convicção e a clareza para ajudar a desconstruir a imagem negativa das lutas sociais, a imagem negativa dos trabalhadores, que batalham dentro e fora dos campos, além de ajudar a orientar à população em relação às benéfices da reforma agrária e da agricultura familiar. Ele é apenas um exemplo de ministro almejado pela militância, dentre outros que a senhora certamente conhece bem melhor do que eu.
Senhora presidenta, precisamos desse combustível de dignidade, e a população precisa da coragem do enfrentamento para poder acreditar.
Hoje, mais do que nunca, o golpe do PMDB está evidente. Mas não quanto o do PSDB (o mesmo golpe), infelizmente. Muitos acreditam que o primeiro a ser eliminado foi o PT, o segundo está sendo o PMDB e que em breve serão os tucanos. Mas sabemos que não é isso o que está acontecendo. Os tucanos se mantém na zona de neutralidade, na medida do possível, podendo eles elegerem um candidato de seu partido como presidente ou mesmo uma marionete qualquer de outro partido. Temos que ir pra cima! Continuar mostrando quem é quem! Com toda a clareza do teor de golpismo do processo, e de inocência de vossa senhoria, além das mazelas do breve e desastroso governo temeroso, a militância incendiará o país, juntamente com parcela significativa do restante da população, finalmente a par da situação. Não vai ter golpe, vai ter luta! E se tiver golpe, vai ter mais luta (o golpe só não pode ser legitimado pelas urnas). Mesmo que tenhamos dois anos pela frente de luta contra um congresso altamente desonesto e conservador, com nosso ministério de esquerda teremos força para quebrar o pau, esclarecer os fatos à população e, aí sim, em 2018 teremos novas eleições. Então o contexto será outro e imensuravelmente mais favorável do que este.
Sócrates se suicidou, Jesus foi crucificado, Joana Darc foi queimada na fogueira, Zumbi dos Palmares foi decapitado, Lula conciliou até o fim, Dilma irá voltar e terminar o seu trabalho. E o povo, que sempre foi o povo, continua divagando em busca de salvação.
